artigos Histórias da Floresta: Desafios e Reflexões do TEDxAmazônia em Belém e o Futuro do Museu das Amazônias

25/06/2025

Belém do Pará transbordou energia e novas ideias entre os dias 6 e 8 de junho de 2025, com o TEDxAmazônia. A participação do Museu das Amazônias, gerido pelo idg - Instituto de Desenvolvimento e Gestão, nesse evento foi especialmente significativa, ainda mais diante da proximidade da COP30, que será sediada na cidade, em novembro. Este artigo apresenta um olhar sobre o início dessa jornada, combinando percepções dos participantes com as muitas outras vozes que ecoaram durante estes encontros, e os desafios urgentes que a Amazônia nos convoca a olhar e enfrentar. Alinhado à missão de conectar e comunicar ciências, tecnologias, afetos e experiências amazônicas, o museu reconhece no evento um espaço potente de troca e inspiração. O TEDxAmazônia provocou reflexões sobre as complexas relações entre ciência, arte e meio ambiente e as diferentes vivências e modos de vida na região. 

Este relato propõe uma análise dessa experiência, tecendo conexões entre as vozes que ecoaram — com foco na valorização dos saberes ancestrais — e refletindo sobre como esses encontros impulsionam o compromisso do museu em integrar saberes diversos e contribuir para o bem viver nos territórios.

O TEDxAmazônia: Um Espaço de Escuta e Conhecimento para o Museu das Amazônias

A Amazônia não é apenas um lugar no mapa, mas um organismo vivo e pulsante, que exige respeito e conhecimento. A participação no TEDxAmazônia reforçou essa perspectiva, especialmente ao testemunhar o clamor pelos direitos da floresta como uma entidade com vida própria e pelos povos da floresta como seres únicos e essenciais quando se pensa sobre o futuro.

Para o Museu das Amazônias, participar do TEDxAmazônia foi uma extensão natural do seu próprio processo de construção coletiva, orientado pelo Plano de Escutas – uma metodologia ativa e contínua que envolve comunidades, instituições, órgãos agentes e associações de toda a região amazônica, em nível nacional e internacional. Desde o início, essa prática de escuta ativa, orientou a concepção e desenvolvimento do museu, reafirmando seu compromisso com uma construção colaborativa e enraizada no território. 

Durante os três dias em Belém, o calor não era só do clima equatorial, mas da energia e das trocas entre pessoas de todo o mundo. A mistura de línguas – português, espanhol, inglês e diversas línguas indígenas – ampliou as possibilidades de troca e aprendizado, fortalecendo os encontros e contribuindo para que pudéssemos conhecer melhor nossa própria diversidade de estados, culturas e países. Afinal, a Amazônia é um lugar vasto e diverso, que abrange nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. A identidade amazônica extrapola a ideia de um país, se tornando um universo de identidades e lugares.

Cada palestra e interação no evento foi vista como uma fonte de dados e inspiração para o entendimento dessas novas percepções, inclusive para nós. As histórias contadas no TEDxAmazônia, muitas delas de vozes que foram silenciadas por muito tempo, mostram a urgência de contar a história da Amazônia de um jeito novo, que vá além da visão estrangeira, narrada por diversas gerações anteriores. O historiador paraense Michel Pinho, agente importante no Plano de Escutas do Museu das Amazônias, como mediador e palestrante da edição do TEDx, destacou: "A proposta da fala no TEDx era para mostrar uma das muitas outras Amazônias, formadas pelos homens e mulheres escravizados que vieram da Costa da Mina, no entendimento da diversidade dos povos originários e para a importância da construção coletiva do nosso território." Isso significa que a Amazônia que conhecemos hoje é resultado de muitas culturas e histórias vivas, e não apenas de uma. Culturas estas que a ciência descobre que são muito mais antigas do que pensávamos, mais desenvolvidas e bem mais conectadas ao desenvolvimento sustentável da floresta do que hoje em dia.

Essa forma de (re)ver é fundamental. A floresta, em sua sabedoria mais antiga, "dá e quer", como poeticamente descreve Antônio Bispo dos Santos em "A Terra dá a Terra quer". Ela oferece vida, ar e recursos, mas também exige nosso cuidado e troca. As árvores, as plantas, os rios, todos têm uma vida própria, uma "metafísica da mistura", como propõe Emanuele Coccia em "A vida das Plantas". Somos parte dessa teia e nosso bem-estar está ligado ao dela. Somos a Floresta. Enquanto não entendermos objetivamente isto, nada mudará. João de Jesus Paes Loureiro nos faz sentir essa ligação profunda, descrevendo a Amazônia como uma "terra de muitas águas, de muitas falas", um universo onde espiritualidade e realidade se entrelaçam e se chocam. 

Por outro lado, os povos da floresta – indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas – são os guardiões desse conhecimento passado de geração em geração. Eles têm uma relação de troca e respeito com a natureza e é urgente que o mundo se comprometa a proteger os seus territórios e, o que é igualmente importante, que se reconheça a história desses povos que sofreram muitos apagamentos. Michel Pinho reforça que o Plano de Escutas do Museu das Amazônias foi fundamental para abrirmos outros campos nesse sentido, um campo ligado à botânica, às relações sociais, às transformações urbanas conscientes e à identidade para que o Museu seja antes de qualquer coisa, um espaço plural." Essa diversidade é a essência das Amazônias e deve ser a base de qualquer debate sobre o futuro, desfazendo as visões simplistas e limitadas que se perpetuaram sobre a região.

A Amazônia como Berço de Inovação e Conhecimento: Uma Nova Perspectiva

A Amazônia, em sua imensidão, ultrapassa fronteiras políticas e conecta nove países, formando um território de múltiplas identidades, onde "o rio não é apenas água, mas memória e destino". Pensar seu futuro exige romper com modelos ultrapassados de desenvolvimento que historicamente falharam - e cujas consequências ainda pesam sobre muitas comunidades. É urgente construir caminhos para um desenvolvimento urbano sustentável e justo, que garanta direitos básicos e acesso à tecnologia também para as comunidades que vivem longe dos grandes centros. 

Por isso, é fundamental rever as visões preconceituosas e estereotipadas que ainda recaem sobre a Amazônia e seus povos, muitas vezes formuladas por quem enxerga a região apenas de fora, por uma perspectiva limitada, que ignora a imensa riqueza existente na região. A Amazônia é, na realidade, um território historicamente explorado, mas profundamente rico em sociobiodiversidade, pesquisa, produção e conhecimento. A realização do TEDx Amazônia foi oportunidade importante para desconstruir visões distorcidas sobre a região e valorizar sua complexidade. Para o Museu das Amazônias, que nasce como um museu de ciências e tecnologias, esse encontro fortalece seu papel como espaço de articulação de saberes e reflexão crítica sobre os futuros possíveis para o território.

Para quem chega pensando que a Amazônia é o fim do mundo, é importante entender que, na realidade, ela é o início. O "início" por marcar um caminho, que se aprofunda à medida em que a ciência avança e descobre cada vez mais sobre a existência de antigas civilizações na Amazônia. Populações que desenvolveram tecnologias, muitas das quais são usadas até hoje na agricultura, na medicina natural ou científica. Nesse sentido, a Amazônia na verdade é um ponto de partida para uma grande reestruturação mundial, buscando novas formas e oportunidades de desenvolvimentos urbanos, alimentares e científicos que respeitem mais o meio ambiente e as culturas locais. Marcando não o fim, mas o início de perspectivas para um novo mundo.

As palestras e atuações importantes destas lideranças da floresta no TEDX Amazônia, em suas diversas complexidades e capacidades, nos ensinam muito sobre como tudo se conecta. A esperança está em reconhecer que a sabedoria ancestral é valiosa e deve ser usada para resolver os desafios de hoje. Como nos ensinam Ailton Krenak e Davi Kopenawa, que para entender e criar qualquer tecnologia nova, precisamos primeiro observar a tecnologia que a própria natureza já nos oferece.

A energia vibrante e já conhecida de Belém, que acolheu pessoas de todo o mundo durante estes dias, só reforçou esse comprometimento. Mas essa energia também trouxe à tona denúncias necessárias para esse entendimento. Alessandra Munduruku, por exemplo, contou sobre a falta de matérias-primas básicas em sua aldeia e a contaminação por mercúrio nos corpos indígenas, afetando principalmente mulheres, seus filhos e seus úteros. Em seu relato descreve que "quando um rio é envenenado é como se o sangue de suas veias estivessem doentes. Quando um igarapé (nascentes) estão adoecidos, estes são seus órgãos com doenças invisíveis, como um câncer. Porque ninguém as vê. Causando um problema muito maior", trazendo um alerta forte sobre a urgência do cuidado com nossas fontes de águas.

A ecóloga e uma das curadoras do Museu das Amazônias, Joice Ferreira, trouxe o exemplo das "capoeiras" – florestas em regeneração – como uma das possíveis soluções para o futuro das cidades. Essas áreas, que já foram desmatadas e estão em regeneração natural ou não, representam um caminho de esperança para que a natureza se cure e volte a oferecer seus benefícios e proteções.

A Sustentabilidade Digital e Cultural: Pilares para o Museu das Amazônias

Uma das grandes questões levantadas no TEDxAmazônia - e que o Museu das Amazônias busca aprofundar no âmbito de seu Plano Museológico – é como transformar debates e reflexões em propostas concretas, integradas aos seus diferentes programas, como nas atividades e programações culturais, nas interlocuções com os territórios, permitindo ao museu oferecer encontros, oficinas e atividades contínuas que beneficiem a região e seus povos.

Outro ponto crucial é a criação de experiências no ambiente digital. No TEDxAmazônia, vimos exemplos de como a tecnologia pode ser uma aliada na valorização e difusão. Para o Museu das Amazônias, isso significa pensar em plataformas, encontros e propostas de exposições que levem os visitantes para além das paredes de um museu, mas conectados de diferentes formas com outros lugares. A participação no evento solidificou o compromisso em incorporar essas ferramentas digitais ao Museu em suas estratégias de comunicação e educação, criando pontes entre o tradicional e o moderno.

E, claro, na importância de um lugar para valorização da cultura local. Visto que a cultura não é apenas entretenimento; é um pilar para o desenvolvimento social e econômico de um lugar e o evento reforçou a ideia de que a arte e a cultura amazônicas devem ser apoiadas e valorizadas por políticas culturais que garantam sua produção, difusão e  acesso. O Museu das Amazônias, se propõe a ser mais um espaço que busca ser peça fundamental nesse sentido, desenvolvendo uma programação diversificada, além de encontros que promovam o intercâmbio de saberes e o fortalecimento de identidades locais.

A Coletividade: Nossa Estratégia para a Retomada

Roberta Carvalho, que colabora na direção artística de algumas áreas da exposição do Museu das Amazônias, resumiu com clareza a essência da experiência: "participar do TEDx Amazônia em Belém nesse momento tão simbólico em que a cidade se prepara para ser o centro das discussões climáticas globais, foi muito importante. Estar ali, diante de tantas vozes que pensam, vivem e lutam pela Amazônia, me fez perceber ainda mais a responsabilidade que temos como artistas de traduzir, amplificar e projetar essas histórias, essas urgências e essas potências."

Roberta reflete sobre a coletividade como valor e estratégia para a sobrevivência: "A coletividade é essencial em um território tão vasto, diverso e interdependente como a Amazônia. Nenhum projeto — seja artístico, científico, político ou social — se sustenta sozinho aqui. A floresta nos ensina isso: tudo vive em rede, tudo se conecta, tudo depende do outro. Assim também é com as pessoas, com os saberes, com os fazeres. A Amazônia não é uma só — são muitas vozes, povos, paisagens e visões de mundo. E é justamente na escuta e na colaboração entre essas diferentes existências que conseguimos criar caminhos mais justos, potentes e enraizados. A coletividade, nesse sentido, não é apenas um valor — é uma estratégia de resistência, de cuidado e de criação de presentes e futuros."

Essa visão reforça a ideia que as muitas vozes, em suas diversas línguas das Amazônias, precisam ser ouvidas. E que a busca por uma justiça climática deve nos levar verdadeiramente à prática do Bem Viver. Esse conceito que abraça o entendimento sobre a natureza e o respeito às tradições. Como nos lembra João de Jesus Paes Loureiro, a Amazônia é um "canto que o mundo precisa ouvir", uma poesia viva que pede reconhecimento e respeito. E que a verdadeira sustentabilidade está em entender que não somos donos da natureza, mas parte dela. Fortalecendo o pensamento da região não mais como algo apenas a ser explorado, como um grande verde que precisa ser habitado. Mais uma região potente, rica e capaz de falar por si mesma.

A COP30 em Belém é uma chance única para o mundo ver a Amazônia como um laboratório de soluções, um lugar onde a ancestralidade e inovação coexistem e se unem para construir futuros possíveis. Ao propor um novo tempo para nosso território, estamos propondo um novo tempo para o mundo. O TEDxAmazônia foi um convite para ouvir, mas também agir. Marcando um tempo de “retomada” para os povos da floresta.

Referências