Em clara oposição à noção imperialista de “internacionalizar a Amazônia”, a xpressão “amazonizar O mundo” ganhou notoriedade durante o Sinodo para a Panamazônia de outubro de 2019 Certamente que 2024 já indica ao menos um potencial estanque de vários indicadores negativos decorrentes de uma década de aceleração de desmatamento, queimadas e violência no compo. Um bom começo, mas para “amazonizar O mundo” não basta resistir. Não se trata tampouco de contra-atacar em combaté. Proponho que se trata de “transbordar”. Vou explicar.
A Amazônia é evolutivamente o centro de diversificação da vida nas Américas, ou seja, a partir daqui é que se originou a imensa biodiversidade neotropical que hoje habita o continente. A vida “transbordou” da Amazônia, se espalhando e diversificando em direção a outras partes das Américas. Penso que a cultura amazônica, após cinco séculos de opressão e silenciamento, não só sobreviveu e cresceu, mas já começa também a “transbordar”. Mas que cultura é essa? Não tendo nascido aqui, quem sou eu pra dizer o que é a cultura amazônica. O que sei dizer é que a cada vez que percebo a natureza, que escuto o próximo, que me encanto com as coisas simples, sinto que me “amazonizo”.
Não nasci na Amazônia, mas percebo que todo dia a Amazônia nasce em mim. Isso porque creio que a cultura amazônica é a da possibilidade de coexistência entre os seres, entre o vivo e o não-vivo, entre o real e sonho, entre o passado, o presente e o futuro. São suas 390 bilhões de àrvores e 30 milhões de pessoas entrelaçadas pelas quase 300 línguas faladas na região , por fungos subterrâneos, por ventos e águas que serpenteiam o tempo e o espaço, pelas rimas de seus poetas, pelos cantos dos seus pajés, pelos sons da floresta e o ritmo do carimbó. Conectada também com o científico, o tecnológico, o digital, a Amazônia harmoniza a ancestralidade, o presentismo e o futurismo; a inteligência artificial e as inteligências naturais.
A Amazônia é um todo, abundante e saboroso, como a culinária paraense. A beleza e a força da coexistência que a Amazônia suscita reflete uma cultura de paz cercada por um mundo em guerra. A partir do coração da Amazônia, a vida se espalhou pela América. Agora é hora de, a partir da alma da Amazônia, a cultura da paz se espalhar pelo mundão. Ricardo Piquet é diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento e Gestão.
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