articles É de propósito

15/05/2025

Pra quê você acorda todos os dias? Acordar disposta e com tempo pra tomar um café da manhã com calma é sinal de que o dia vai ser mais generoso. Mas parecemos carregar sempre um certo estado de alerta para acompanhar o cafezinho. É o toque de ansiedade, embebido de pendências com o qual aprendemos a conviver, já sem tanto estranhamento. Sinto que aplicamos o câmbio automático, como se, às vezes, as grandes escolhas da vida fossem liquidar problemas.

Mas, além da chegada avassaladora da ansiedade, a queridinha do século, não nos esqueçamos que fomos também invadidos pelas ideologias geracionais. Geração Y já atropelada pela Z, Alpha.. e a Beta, que nasce esse ano, e abre caminho pra mais uma série de manias que ainda vamos entender melhor. Ou não. Mas, entre tanta tecnologia, conectividade digital, busca por qualidade de vida, consciência climática e preocupação com a diversidade, parece haver um fio condutor que torna possível um lugar comum pra tantas ideologias: a vida precisa fazer sentido.

A estabilidade, o plano de carreira muito bem definido ou a aposentadoria garantida vão sendo cada vez mais ofuscadas pelo sonho de fazer parte de algo que realmente impacte o mundo. É o enorme privilégio de poder escolher existir por um propósito, e não pela sobrevivência. É importante estar em lugares que respiram valores admiráveis. É importante ser fiel a você mesmo. E a sorte de esperançar futuros possíveis (e melhores) se consolida como uma condição para escolher aonde investir meu talento. A verdade é que, para alguns, sonhar com isso é mais fácil do que para outros, e, quando acessamos algo raro, é obrigação aproveitar. Em um estado mágico de consciência, talvez possamos nos dar conta desse motor potente, que transforma a nossa energia em movimento. Propósito não é meta, não é visão. Propósito é propósito.

Quando há propósito, há a possibilidade de construir caminhos juntos, de corrigir os erros de percurso pela própria iniciativa, de contagiar positivamente de um jeito que você gostaria de ser contagiado, mesmo que nunca tenha sido antes. Receosa de não cometer a gafe do etarismo juvenil, sinto que fomos perdendo um certo senso de responsabilidade sobre o próprio impacto no mundo. Estamos na era do “eles”, do “a empresa”, do “as pessoas.”

Sejamos realistas, é claro que como em qualquer grupo, a hierarquia impõe-se e faz-se necessária para um sistema funcional, mas o grupo, e cada indivíduo possui sim um poder gigantesco de transformar uma organização, muitas vezes desperdiçado.

Quando o assunto é transformar cultura pra melhor, buscar solução junto é mais efetivo do que apontar erro. Ser agradável e gentil é mais efetivo do que reclamar de tudo o tempo todo. Falar bem, agradecer genuinamente o esforço de alguém é certamente mais efetivo do que a rádio corredor que intoxica o próprio radialista. Reconhecer um movimento de melhoria, que tem um monte de gente suando pra fazer acontecer, me parece mais efetivo do que só apontar as deficiências. Receber bem quem chega é certamente muito efetivo pra tornar um lugar hostil em um lugar caloroso.

Paulo Freire, em Pedagogia da Esperança apresenta o verbo “esperançar” de forma pragmática e possível. 

Esperançar é se levantar, é ir atrás, é construir, é não desistir!
Esperançar é levar adiante, é juntar-se com outros para fazer de outro modo…

Os valores de uma organização representam como esse lugar quer ser visto, lembrado e, principalmente, como queremos nos sentir. Sempre penso no tanto que o “bom dia” não respondido pode afetar a cultura de uma organização. Se entro todos os dias no elevador, e o meu “bom dia” não é retribuído passo entendê-lo como algo não importante nesse lugar. Já chego a me questionar se estou eu equivocada, se, para algumas pessoas, não há mais tempo pra essas amenidades sociais. Um belo dia, desisto de dar bom dia, outros fazem o mesmo, até que ninguém mais dá bom dia. “É, aqui é assim.” Que perigo.

Espero que a gente continue dando bom dia, que possamos acordar dispostos e tomar um café com calma, pelo menos na maioria dos dias, e que possamos lembrar que acordar pra mudar o mundo é muito mais legal do que acordar pra liquidar problemas, mesmo que eles estejam no combo.