Como podemos contribuir para a equidade racial?

 

Não basta uma hashtag, um caso internacional, uma morte relatada na mídia - em contraponto a perda a cada 23 minutos de um jovem negro -, nem mesmo a percepção uníssona que o racismo não é apenas parte da estrutura social mas a base da sua configuração histórica. A urgência é debater questões raciais e como a discriminação racial nos atravessa como sociedade no dia a dia, não somente pela comoção. Qual o papel das instituições culturais na transformação de mundo para a equidade racial? Posicionamento de discurso é, sim, um passo, mas não conclui o caminho. 

 

É preciso reiteradamente contribuir para revisar e reparar a história, num processo que só será possível com a inclusão de outras narrativas. As vozes que têm ecoado historicamente precisam ser constantemente ressignificadas para que, além de colocar a sociedade brasileira no lugar da reflexão, possam também ampliar as vozes das pessoas negras. Reescrever as histórias, reconhecendo apagamentos, e finalmente visibilizando protagonismos das raízes afrobrasileiras na nossa cultura nos permitirá romper os moldes dessa estrutura desigual que naturalizamos. As vozes embargadas de muito tempo e de protestos dos últimos dias, brasileiras e mundo afora,  manifestam o quanto essa ferida aberta precisa de cura.

 

Por meio dos nossos projetos somos provocados cotidianamente a repensar narrativas

 

Em nosso lugar de instituição, o IDG se apercebe dos desvios discursivos e do risco à diversidade no reforço da história única, tão concisamente apontado pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie quando diz que a “única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história.” Assim, por meio dos nossos projetos somos provocados cotidianamente a repensar narrativas. 

 

No Paço do Frevo, ao gerirmos o museu que traz em sua expografia cerca de cem nomes de personalidades que construíram a história do patrimônio e, entre elas, apenas 11 pessoas negras, nos ativemos que era preciso corrigir essas lacunas com ocupação e pertencimento das populações negras na programação artística, nas exposições e nas atividades educativas. 

 

Não há construção de futuro possível sem a inclusão e perpetuação dos saberes tradicionais e dos povos originários

 

No Museu do Amanhã, aprendemos que não há construção de futuro possível sem a inclusão e perpetuação dos saberes tradicionais e dos povos originários, que foi colocada em prática com, entre outras medidas, a formação da Comissão da Matriz Africana que desencadeou em ações como o projeto Mauá 360, cuja edição de 2017 foi dedicada ao Cais do Valongo, o programa Vivências do Tempo e o Evidências das Culturas Negras sempre em diálogo com os moradores e integrantes das inúmeras instituições culturais da região, sobretudo as dedicadas às memórias e às histórias afrocentradas.

 

No Cais do Valongo, no convívio com a Pequena África, amadurecemos a visão de que um patrimônio é permeado pela subjetividade dos corpos, levando em conta que a missão do histórico espaço arquitetônico é ser o símbolo de uma narrativa de visibilidade afrodescendente. 

 

Não podemos satisfatoriamente nos declararmos simplesmente antirracistas frente a uma realidade ainda tão desigual, mas nos colocamos como um ponto de apoio à construção das mudanças, e nos propomos hoje, amanhã e adiante a convidar a todos a tornar possível a escuta de outros narrativas. Vamos juntos?